“ – Mingar, mingar,
para sempre rezar.
– Reza!…”
O mandar rezar, era um jogo de meninos e decorria por toda a Quaresma, tendo o seu términos no Sábado Maior ao toque da Ressurreição do Senhor que acontecia, por estas terras, ao meio dia.
Este jogo iniciava-se logo após o fim do Carnaval e tinha o seguinte ritual: os meninos enganchavam os dedos mindinhos, normalmente os da mão direita, e diziam, abanando a mão:
“ – Mingar, mingar,
para sempre rezar.
– Reza!…”
Após este ritual, combinava-se o que cada um teria, caso perdesse, de dar ao outro no fim do jogo que só terminava, como já foi dito, no Sábado maior. O compromisso de mandar rezar estava selado e cada um deles já sabia que, Quaresma fora, cada vez que passasse pelo parceiro de brincadeira, teria de o mandar rezar. Se o não fizesse, não vinha daí mal ao mundo uma vez que não perdia nem ganhava nada com isso. Só no Sábado Maior é que a brincadeira era realmente levada a sério. Quem neste dia fosse mais lesto e mandasse rezar o parceiro primeiro, recebia do perdedor a paga estipulada no início do compromisso: amêndoas, línguas de gato, beijinhos e outras iguarias pouco habituais ao longo do ano mas que nesta época sempre apareciam um pouco por todas as casas da aldeia.
Neste dia era ver a pequenada, cosida às paredes, a tentar chegar, sem ser notada, junto dos parceiros e, apanhando-os desprevenidos, mandá-los rezar. As artimanhas eram mais que muitas. Pelos quinteiros, colados aos muros, à espreita por uma qualquer fisga na parede, lá estavam, horas a fio à espera. Quantos não se escondiam dentro de suas casas e pelos postigos mandavam rezar o parceiro que á esquina da rua esperava, pacientemente, a saída do colega de brincadeira. Outros escondiam-se nos sótãos e levantando, habilmente, uma telha lá apanhavam os parceiros desprevenidos. Valia tudo!
– Reza, Maria.
– Reza, Jaquim.
– Reza, Manel…
Reza…; Reza…; Reza…, ouvia-se ecoar, um pouco, por toda a aldeia. O perdedor, furioso por ser apanhado, ainda argumentava que não valeu porque…, que o outro fez batotice…, e tal e tal…, mas já não havia volta a dar, teria mesmo de pagar a dívida que, regra geral, era levada a sério e sempre saldada no dia seguinte. Estes Homenzinhos de palmo e meio, honravam sempre a palavra dada.
A título de curiosidade:
Por estas bandas, dizia-se: “ – Mingar, mingar,
para sempre rezar.
– Reza!…”
Em terras de Lafões, o ritual era, ligeiramente, diferente:
“ – Enganchar, enganchar
para dia de Páscoa me dares o folar.
De hora em hora, dia em dia,
Até Sábado de Aleluia.
– Reza.”
No Alto Paiva, os meninos enganchavam os dedos e diziam:
“ – Enganchar, enganchar,
para em toda a Quaresma
te mandar rezar.
– Reza.”
Era assim por toda a Beira e, com pequenas variantes, um pouco por todo o país.
Maria Odete Madeira
(Chanceler-Mor da Confraria de Saberes e Sabores da Beira, “Grão Vasco”)