SAO MARTINHO

SAO MARTINHO

Em tempos idos, o São Martinho, nas aldeias da Beira, comemorava-se durante três dias do mês de Novembro: o dia dez era, no dizer do povo, o dia do papas, o dia onze o do rapas e o doze o do lembes, numa alusão directa aos amantes do vinho, também conhecidos como os “Irmãos de São Martinho” que, ano após ano, com grande “solenidade” e aparato festivo, davam provas da sua devoção tradicional ao vinho, claro, celebrando esta data três dias seguidos!
Era nestes dias que se abriam os pipos e se experimentava o vinho novo pois lá diz o rifão “Pelo São Martinho vai à adega e enxerta o pipinho.”
Em casa dos avós do João, do Miguel e demais primos que com eles viviam, à lareira, pois o frio cortava a respiração, a pequenada fazia o tradicional magusto: como também diz o ditado, “No dia de São Martinho mata o teu porco, chega-te ao lume, assa castanhas e prova o teu vinho.” As castanhas eram assadas na caruma e acompanhadas com um pouco de água-pé que, por condescendência dos adultos, podia nesse dia ser bebida por todos, pois que “Água-pé, castanhas e vinho fazem uma boa festa pelo São Martinho.”
A irreverência infantil, levava-as, não raro, a cometer pequenas diabruras tradicionais deste período. Pela calada, enfarruscavam as mãos nas panelas de ferro de três pernas, negras dos muitos anos de uso, e enegreciam as caras dos presentes não escapando a esta partida os mais velhos, já se vê!
Já noite serrada, a pequenada, empanturrada de castanhas, ia para a rua, bem encapotada, não que o frio era mais que muito, aguardava no local previamente combinado a chegada do resto da maralha e com campainhas, compradas para este fim e guardadas em velhas arcas no sótão da casa, latas pequenas com pedrinhas dentro ou latas maiores a servirem de tambores, percorriam as ruas da aldeia a tocar e a cantar:

“São Martinho, castanhas e vinho,
vinho novo tem bonita cor,
apagai o fogo e dai-me calor!”

A algazarra era tal que nem os animais descansavam, no quentinho dos seus currais, no piso térreo das casas de habitação. Para a miudagem, isso era o menos importante; o principal era manter a tradição de pé e disso se encarregava ano após ano.
Horas volvidas, regressava cada um a sua casa cansado da correria pelas ruas da aldeia, mas feliz, pois o ritual aprendido dos seus avós tinha-se cumprido, uma vez mais.
Maria Odete Madeira
(Chanceler-Mor da Confraria de Saberes e Sabores da Beira, “Grão Vasco”)