AS MAIAS

AS MAIAS

O mês de Maio simboliza o triunfo da natureza em que esta fecunda e procria após um longo Inverno estéril, improdutivo.
Já nos finais do século XIX Rocha Peixoto dizia que “As festas populares de hoje têm, de ordinário, a origem nos cultos naturalistas de outrora” (1) e a Igreja mais não fez do que apoderar-se de alguns desses costumes politeístas e cristianizá-los. Assim nos aparecem os Santos substituindo as divindades pagãs, o vinho e o trigo, já celebrados na antiguidade e adaptados pela Igreja Católica como símbolos de sacrifício, personificando o Corpo e o Sangue de Cristo, e assim muitas outras manifestações onde as Maias também bebem as suas origens.

De acordo com a fitomitologia (2), existem dois grandes grupos de plantas: as boas e as más. As giestas alcançaram a simpatia do povo sendo consideradas plantas benfazejas pois, segundo a lenda, “Quando Cristo andava pelo mundo, foi procurado pelos judeus para o matarem, e como estes o vissem entrar para uma casa, colocaram-lhe à porta um ramo de giestas, para no dia seguinte o prenderem. Nesse dia, porém, todas as casas da povoação (por encanto ou por milagre) apareceram marcadas, e os judeus não puderam dar com ele.” (3)

A lenda remete esta tradição para o tempo de Cristo, no entanto, estudiosos há que a reportam ao tempo da divindade Flora, deusa da floração figurando ornada de grinaldas e flores, venerada pelos Sabinos (antiga tribo da Península Itálica) muito antes da fundação de Roma. Os jogos florais em honra desta deusa tinham início no primeiro dia do mês de Maio e as mulheres dançavam e cantavam noite e dia, coroadas de flores. Por outro lado M. Rodrigues Lapa, diz-nos que “as maias não eram mais do que a projecção medieval dum culto antiquíssimo de Vénus: no primeiro dia de Maio, bandos de moços e de moças iam à floresta buscar flores e ramos e cantavam e bailavam em roda, celebrando o Amor e a Primavera” (4).

A origem deste costume é, certamente, incerta perdendo-se na lonjura dos tempos. Contudo, a ideia de que o Homem deve contribuir para o renascer da natureza no período primaveril é um conceito universal e encontram-se manifestações semelhantes às portuguesas um pouco por todo o mundo, exactamente neste princípio do mês de Maio. Em terras lusitanas as manifestações das Maias variam de região para região. Na região norte, há a crença de que se não se colocar a Maia à porta, vem “o Maio a cavalo num burro branco, a quebrar a louça.”
Ainda na mesma região, há o costume de os rapazes fazerem uma coroa de Maias a qual é colocada à porta da namorada ou da rapariga a quem pretendem pedir namoro. Já em Trás-os-Montes e a par de outras manifestações usuais deste dia, há o hábito de as pastoras enfeitarem o animal mais formoso do seu rebanho com flores e fitas, percorrendo depois as ruas da aldeia com o seu rebanho, encabeçado pelo animal enfeitado e ladeado por duas jovens vestidas de branco à volta do qual se canta e dança ao som de pandeiros e castanholas.
Na região centro, para além das giestas à porta, evitando a entrada de maus olhados e outros malefícios, os rapazes vestem-se de giestas e correm as ruas a pedir o Maio. Os donativos que recebem – dinheiro e principalmente castanhas – servirão para preparar o manjar cerimonial mais significativo desta quadra festiva (em muitas regiões do nordeste transmontano e das beiras é usual guardarem-se castanhas para se comerem neste dia pois crê-se que “evita os mordos do burro” e “livra, quem as come, de todas as maleitas” ). Mais para sul, costuma-se fazer uma boneca de palha, à qual chamam a Maia. Esta é ornada de flores e à noite as moças cantam e dançam em seu redor:
“O meu Maio-moço
Ele lá vem,
Vestido de verde
Que parece bem.”

“O meu Maio-moço
Chama-se João,
Faz-me guarda à casa
Como um capitão.”

Por vezes a Maia é mesmo uma rapariguinha vestida de branco e coroas de flores na cabeça que, rodeada por um bando de jovens, vai de porta em porta pedir:
“Esmolinha à Maia,
para um pandeiro;
que não tem dinheiro!”

Geralmente a população colabora no peditório. Mas para aqueles que nada dão o grupo lança a seguinte tirada:
“Este Maio é de lírios
E o vosso é de assobios!”

Os manjares cerimoniais são outra das características deste período. Um pouco por todo o país se crê que, comendo determinados manjares neste dia, o Maio ou o Burro (entidades maléficas) não entram com as pessoas desde que estas tenham comido destes manjares. No norte e centro do país resume-se, basicamente, a comer castanhas, como atrás ficou dito.
É, no entanto, no sul do país que este aspecto adquire especial relevância. Há o costume de a primeira refeição do dia ser composta pelo “Queijinho de Maio” (bolo feito à base de figos secos, amêndoas, açúcar, erva-doce e canela) acompanhado pela aguardente de medronho. Em todas as casas se faz, pelo menos, um bolo para ser, obrigatoriamente, comido neste dia.

É, ainda, no dia 1 de Maio que o povo pede à Virgem protecção para as sementeiras e enramalha com giestas e outras plantas, de bem-fazer, os currais do gado impedindo, assim, que o quebranto ou mau olhado entrem.
Maria Odete Madeira
(Chanceler-Mor da Confraria de Saberes e Sabores da Beira, “Grão Vasco”)

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1) Peixoto, Rocha, Etnografia Portuguesa, Publicações D. Quixote, 1995, pág. 51.
2) O termo Fitomitologia (a Botânica com poderes de bem e de mal), pouco vulgar e utilizado, aparece referido na obra Etnografia Portuguesa, de Rocha Peixoto, pág. 54.
3) Oliveira, Ernesto Veiga, Festividades Cíclicas em Portugal, Publicações D. Quixote, 1995, pág. 98.
4) Chaves, Luís, Expressões Populares do Alto Alentejo, “Revista Lusitana”, Vol. XXXVI, Lisboa 1938, pág. 283.